Em 2009, Anna Cláudia escreveu esse texto após assistir o Filme Avatar. Por causa do texto, foi convidada a participar do Programa na Rádio Itatiaia do José Lino, que também compartilhou o texto.
Reflexões sobre o filme AVATAR
Após dois dias tentando comprar o ingresso em 3D consegui finalmente assistir ao filme AVATAR. Maior bilheteira do cinema me fez pensar no que mobiliza e vem mobilizando tantas pessoas para assistir ao filme. Falemos do filme… Um mundo sendo invadido/dominado pelos seres humanos na busca de um material muito valioso que os “acionistas” queriam. As referências ao mundo capitalista e as “metas batidas” aparecem o tempo todo no filme. Os seres humanos que estão naquele planeta não são pessoas com as quais o expectador se identifica, salvo os cientistas. Logo, o caminho que seguimos ao assistir o filme é nos identificarmos com os não-humanos, os na`vi. Primeiro ponto para pensarmos: o que está acontecendo conosco, seres humanos, que ao nos vermos retratos como pessoas interessadas no lucro a qualquer custo sentimos nojo? Será que o que aparece na tela é longe do que vivemos cotidianamente? Queremos mostrar que não somos como aqueles humanos. Para isso aparece nosso herói. Meio humano, meio na’vi ele surge como o redentor dos dois povos. Tanto nos dá esperança na transformação dos seres humanos, como funciona como um herói salvador para o outro povo, encarnando o mito do herói. Outro ponto para refletirmos: um herói que vem do mundo dos seres humanos. Esse formato de um herói externo que salvará o povo de suas mazelas é tão antigo que me incomoda. Por que o herói não podia estar no seio do próprio povo? Por que precisava ser alguém externo? Pareceu-me muito “colonizador” esse papel. E a platéia se identifica com esse herói, que salva/ajuda o povo que está em perigo. E o filme vem dos Estados Unidos, que adoram se ver como os heróis do mundo que vão até nações “primitivas” para ajudá-los a se salvarem. Ok, podem dizer que ele se tornou um deles, logo não era tão externo assim… mas continuo achando que tem um fundo colonizador extremamente irritante. Bom, mas vamos continuar: os na’vi são considerados por alguns primitivos e várias cenas tem o caráter tribal que confere esse imaginário da pré-civilização. Por outro lado, eles encarnam um dos grandes ideais atuais:a conexão superior com a natureza. Assim, todo mundo se identifica com os seres azuis e quer ter mais conexão com o verde, com os bichos: é a pegada ecológica tão presente nos dias de hoje. Mas será que ela produz mudanças de fato? Na hora do conflito (e essa é minha grande crítica ao filme) os na’vi usaram a mesma lógica: guerra/ataque/ morte. Se eram um povo tão evoluído na conexão, não teriam outras formas de lidar com o conflito? A guerra, destruição, morte foi a também a tônica dos seres azuis. Com o objetivo de defender seu povo e seu território, guerrearam. Mas como o filme tem uma lógica maniqueísta de bons e maus, e identificamos os seres azuis com os bons, o ataque e a morte dos seres humanos ( incrível não? Torcemos pelo Outro!) se torna legítima. Ficamos felizes na hora que o general mauzão morre. A construção da alteridade se dá de uma forma que alguns tem a legitimidade sobre a vida dos outros: essa é a lógica da guerra e do “combater o inimigo”. A vida é sagrada, mas na guerra a vida do Outro já não é mais sagrada, porque ele é o inimigo. Isso justifica qualquer coisa. Mas o filme não dizia de um povo diferente que tinha uma outra forma de percepção do mundo e de conexão com a natureza? Onde está? Um dos pilares da educação do século XXI propostos pela Unesco é o Aprender a conviver/ viver juntos. Nele se fala da importância de se abrir para o outro e para conhecer culturas e nações que são diferentes. A meta é a diminuição do estranhamento entre povos a partir do contato e re-conhecimento recíproco. No filme há a busca do contato entre os seres humanos e os na’vi através dos avatares, mas não há o caminho inverso. Claro que não teria, afinal quem gostaria de conhecer aqueles humanos? Nem nós, os expectadores. Onde estão os seres humanos que valem a pena ser conhecidos? Onde estão os seres humanos com os quais a platéia irá se identificar e se sentir representada? Onde estão as dores humanas da solidão, da tristeza , da busca pelo amor, da busca por tranqüilidade no filme? Talvez o herói seja um pouco esse espaço de identificação, pois ele se transforma. E essa é outra das buscas atuais: mudar, encontrar a própria verdade. Acompanhamos o herói do filme no seu processo de transformação. Num primeiro momento uma busca individual de ter as próprias pernas de volta, até uma transformação para a busca coletiva após a sensação de pertencimento ao mundo dos seres azuis. Uma coisa eu achei interessante: quem se abre para o diferente é quem não está fechado em uma fôrma. Ele não é um cientista com o “copo” cheio. Logo topa ver as coisas por outros vieses. A idéia de estar um pouco disforme é interessante para dar conta de mudar, sem se apegar a certezas. Apenas pode se abrir para o novo quem não está agarrado ao velho… O que eu gostaria de ter visto no filme era a mudança do general. Queria ter visto os na’vi com sua conexão superior com a natureza terem se conectado com o general e percebido as fraquezas e medos daquele homem. Queria que ele tivesse se transformado e atravessado o medo que o fazia atacar tudo que lhe era diferente como um jeito de garantir que sua verdade estava assegurada. Isso pra mim seria algo que mereceria tanta bilheteria. Transformar e conectar quem está fechado na lógica que invisibiliza os Outros e o diferente… Isso sim é o desafio de hoje.